A Contribuição do Clero de Paredes para a Guerra contra os Turcos (séc. XVIII)

No início de setecentos, o Papa Clemente XI (1649-1721) sentia-se ameaçado pelo avanço mediterrânico das tropas turcas. Essa manifesta preocupação, ou mesmo aflição, face aos ímpetos do poderoso inimigo, traduzir-se-ia em apelos insistentes junto da cristandade para a obtenção de auxílio na defesa de Itália e, em particular, da cidade de Roma.

Como provável sinal de que o espírito cruzadístico contra os mouros permanecia ainda bem presente no imaginário da sociedade portuguesa do século XVIII, bispos e demais membros do clero secular e regular, responderiam positivamente e sem hesitações à chamada pontifícia.

A 27 de Fevereiro de 1716, D. Tomás de Almeida, prelado titular da Diocese do Porto, emite uma pastoral onde refere que «(…) tendo o nosso Santíssimo Padre notícia dos seus [dos Turcos] perversos intentos que pretendem executar por mar com uma armada de quatrocentas naus e por terra com um poderoso exército, encaminhando uma e outras forças à Itália e principalmente aos Estados da Igreja e a sua cabeça a cidade de Roma, depois de implorar com preces públicas e particulares suas, e sentidíssimas lágrimas, o auxílio divino, a intercessão de Nossa Senhora e dos Santos Apóstolos, se viu obrigado a excitar o zelo e Piedade dos Príncipes, Reis e Monarcas e muitos nobres cristãos membros da Igreja e especialmente aos Prelados e mais súbditos eclesiásticos para que todos concorram, opondo-se ao perigo evidente da cristandade, contribuindo logo conforme as suas posses e defendê-la para o que nos enviou o Breve do teor seguinte [segue-se transcrição do Breve em latim]» (Santos:1978:7). 
 
Papa Clemente XI

Os donativos foram recolhidos nas quatro comarcas em que se encontrava dividida a diocese, estando as paróquias do actual concelho de Paredes inseridas na circunscrição de Penafiel. A compilação de Cândido dos Santos (in Separata da Igreja Portucalense, 1978) lista, para cada paróquia, o nome dos eclesiásticos que fizeram o donativo – regra geral um abade e número variável de curas –, bem como o montante doado por cada um.

Extraímos então, em seguida, a informação que aqui nos interessa, deixando para o final as conclusões possíveis. De referir que a unidade monetária em vigor era o real, no plural “réis”, com abreviatura “rs”.

S. Miguel de Gandra: R.do Abade João de Almeida Ribeiro 9$600 rs.; R.do Álvaro de Sousa 480 rs.; R.do Amaro Pinto 240 rs.; R.do Amaro Pinto 240 rs.

Santa Marinha de Astromil: R.do Abade Miguel da Fonseca da Costa 2$400 rs.; R.do Augusto André 480 rs.

Santa Eulália de Vandoma: R.do Abade Pedro Quaresma de Carvalho 9$600 rs.; R.do Manuel de Almeida 480 rs.

São Miguel de Rebordosa: R.do Abade João Machado Godinho 14$400 rs.; R.do Coadjutor Diogo Fernandes da Silva 960 rs.; R.do Francisco Martins 480 rs.; R.do Cristóvão Moreira 480 rs.; R.do Manuel Coelho 480 rs.; R.do João Dias 480 rs.; R.do João Moreira 480 rs.

S. Salvador de Lordelo: R.do Abade Carlos da Rocha Pereira 24$000 rs.; R.do António da Costa 480 rs.; R.do Domingos Ferreira 480 rs.

Santo Estêvão de Vilela: R.do Cura Manuel Alvares de Sousa 1$200 rs.; R.do António Machado 480 rs.; R.do Paulo Machado 480 rs.

S. Miguel de Cristelo: R.do Cura António Gomes 480 rs.; R.do Manuel Ferreira 360+240 rs.

Santa Maria de Duas Igrejas: R.do Abade Pedro de Matos de Sequeira 9$600 rs.

Santa Eulália de Sobrosa: R.do Cura António Mendes Monteiro 2$000 rs.

São Miguel de Beire: R.do Abade Feliciano de Araújo Osório 9$600 rs.; R.do Coadjutor António de Freitas 960 rs.; R.do Luís Pereira 240 rs.

São Tomé de Bitarães: R.do Abade Mateus de Castro 28$800 rs.; R.do Manuel da Silva 100 rs.; R.do António Moreira 480 rs.; R.do Manuel de Sousa 720 rs.; R.do Gonçalo Luís Teixeira 720 rs.

São Pedro de Gondalães: R.do Abade Francisco Xavier Delgado 4$380 rs.; R.do Manuel Moreira de Paiva 960 rs.

São Cosme de Besteiros: R.do Abade António Ferreira Azevedo 4$800 rs.; R.do João Vicente 240 rs.; R.do Sebastião de Sousa 240 rs.; R.do Valério de Sousa [sem indicação de valor].

Santa Maria Madalena: R.do Cura António Pereira de Magalhães 960 rs.; R.do António de Sousa Rebelo 240 rs.; R.do Luís de Sousa Rebelo 240 rs.

S. Salvador de Castelões de Cepeda: R.do Abade Luís Pinto de Mendonça e seu tio 12$000 rs.; R.do Manuel de Oliveira Ramos 480 rs.; R.do Manuel de Paços 240 rs.; R.do Caetano Pinto de Mendonça 480 rs.

S. Romão de Mouriz: R.do Reitor Sebastião Barbosa 2$400 rs.; R.do Manuel Moreira 480 rs.; R.do João Coelho 480 rs.

S. João de Vila Cova de Carros: R.do Abade Domingos da Silva (vigário da vara) 9$600 rs.; R.do Cura Arcanjo Ribeiro Geraldes 480 rs.; R.do Belchior Coelho Barbosa 200 rs.

S. Miguel de Baltar: R.do Abade João de Melo 4$800 rs.; R.do Cura António Alvares da Fonseca 480 rs.

S. Martinho de Parada: R.do Cura Francisco de Sousa Soares 480 rs.; R.do Cura João Pereira 600 rs.; R.do Henriques Lopes Barreto e seu irmão 1$200 rs.; R.do Luís de Meireles Carneiro 480 rs.

S. Pedro da Sobreira: R.do Reitor Baltasar Pereira de Góis 2$400 rs.

Aguiar de Sousa: R.do Abade Bento Pires de Lima 9$600 rs.

Temos, neste documento, 21 paróquias paredenses indicadas. Das 24 que actualmente existem, não há referência a doações provenientes de Cete ou de Louredo, sendo que Recarei não era ainda paróquia independente.

A relação mostra 61 clérigos seculares para 21 unidades pastorais, o que equivale a quase três padres (2,9) por paróquia. Um número ainda assim inferior à média da Comarca de Penafiel (3,7) e da Diocese do Porto (3,6) na mesma altura (Santos, 1978:16-17). Por comparação, nos dias de hoje, a Diocese do Porto conta com pouco mais de três centenas de padres seculares, não atingindo sequer a média de um clérigo por cada paróquia (477). A nível vicarial, em Paredes, há hoje 10 párocos para 24 paróquias, ou seja, uma média de 2,4 paróquias por cada sacerdote, o que contrasta com o cenário inverso (2,9 padres para cada comunidade) de há três séculos.

Os montantes recolhidos e listados são denotativos da diferença de recursos dos eclesiásticos (em relação ao seu estatuto ou função clerical), estando os abades no topo da pirâmide e os curas na sua base. O maior donativo individual veio do abade de Bitarães (28$800), seguido do de Lordelo (24$000). O mais modesto veio de um cura de Bitarães (100 rs.).

No total por paróquias, o maior contributo foi dado por Bitarães (30$820), seguindo-se Lordelo (24$960), Rebordosa (17$760) e Castelões de Cepeda (13$200).

Os valores resultam, ao que tudo indica, de cifras previamente estipuladas, sendo que a maioria dos curas entregou 480 rs. e seis dos abades a quantia certa de 9$600.

Para se perceber, de alguma forma, o que valia naquela altura cada montante, veja-se alguns exemplos de preços então praticados: em 1716, uma galinha custava 160 réis; um alqueire de trigo, 500 rs.; e um alqueire de centeio ou milhão 320 rs. (Santos, 1978:11). Isto significa que, sendo 7$766 a média dos donativos dos abades de Paredes, cada um deles contribuiu com um valor que dava para comprar 48 galinhas ou 15,5 alqueires de trigo (210kg. aprox.). E cada cura (média de 475 rs.) com o equivalente a cerca de 3 galinhas, ou pouco menos do que um alqueire de trigo (14kg. aprox.).

No total, a colecta na Diocese do Porto (incluindo Cabido, Bispado e Igrejas) para a defesa cristã da ameaça turca rendeu 26.609$650 (2,6 milhões de rs. ou 2,6 contos de réis). Neste montante global se inclui, naturalmente, a colaboração conjunta do clero de Paredes, que foi de 181$640 réis.

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