As Visitações em Beire
O Livro dos Capítulos de S. Miguel de Beire (ADioP, 383) inicia-se em 1823. Trata-se, na verdade, de um segundo livro de visitações desta paróquia, dado que o primeiro, que compreendia o período de 1676 a 1815, terá «desaparecido» (Silva, 2007:71, n.d.r.). Mesmo o livro subsistente, encontramo-lo já «mutilado», faltando duas dezenas de folhas do seu conteúdo. Desta remanescência, constam apenas três relatórios, que dizem respeito às visitas realizadas nos anos de 1823, 1903 e 1930.
É importante deixar a indicação de que as Visitas Pastorais, tal como foram definidas pelo Concílio de Trento (séc. XVI), se extinguiram em 1833 (Silva, 2007:58). No entanto, as deslocações oficiais do bispo diocesano às comunidades da sua jurisdição continuaram a realizar-se depois dessa data sob uma outra organização, com muito menor abrangência e diminuição substantiva do seu primitivo carácter vigilante e correctivo. Ainda assim, como veremos, pelo menos até ao início do século XX, os prelados não deixavam de formalizar em documento escrito algumas (parcas) indicações sobre aquilo que observavam e que era necessário corrigir por parte dos párocos e respectivos paroquianos.
O padre Manuel José Mendes, desembargador da Cúria, Vigário Geral das Vacantes e Promotor em Penafiel, foi o delegado do bispo diocesano para a visita realizada a Beire no dia 5 de Dezembro de 1823. No primeiro capítulo, o visitador exorta e admoesta «ao R.do Pároco eficazmente uma incansável asseidade em patentear aos seus fregueses o caminho da salvação e instruindo-os nas verdades santas da Religião Católica Romana, guiando-os para a observância da sã Moral e desviando-os dos pastos envenenados da impiedade e da heresia. Outrossim lhes recomendo lhes preguem e ensinem frequentemente, que dêem a Deus o que é de Deus e a César o que é de César, isto é que como membros ou sócios da sociedade cristã se humilhem e obedeçam às determinações da Santa Igreja, e que como igualmente membros ou sócios da sociedade política ou civil obedeçam às leis Pátrias que estiverem em uso e não abrogadas, bem como ao que tiver decretado, ou novamente decretar o Nosso Pio e Augusto Rei o Senhor D. João sexto em quem reside a soberania, ou Governo Monárquico por uma legítima sucessão de seus passados.» O segundo capítulo é destinado aos eclesiásticos, nomeadamente com pedidos particulares de grande significado histórico: «Todo o sacerdote que em Domingo ou dia festivo, digo de preceito, disser missa em alguma capela ou ermida não se tendo aí dito outra no tal dia, fará doutrina ao povo, ou ao menos oração mental pública, que finalizará recitando Acto de Fé, Esperança, Caridade, Contrição e Símbolo dos Apóstolos, um Padre Nosso com uma Ave Maria pela extirpação da heresia Pedreirática [referência à maçonaria, aos pedreiros-livres] e outro Padre Nosso com uma Ave Maria em acção de graças a Nosso Senhor por nos haver livrado tão prodigiosamente do Governo Intruso [referência ao governo de regência britânica], ou desgoverno perturbador da ordem pública assim política como cristã.»
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Igreja Paroquial de Beire na actualidade |
«Nenhum clérigo em acto ou função pública usará de pantalonas por cima das botas, e querendo usar de sapatos não usarão ao mesmo tempo de pantalonas. Nenhum clérigo assistirá aos ofícios de Defuntos com esporas e não aparecerá em cidade, vila, função ou lugar público sem cabeção ao pescoço, tudo isto bem com os números acima reservados se observará sob pena de lhe ser estranhado e se lhe dar em culpa. Observem-se os capítulos das visitações passadas, que não estiverem abrogadas muito principalmente a Pastoral do Senhor D. António de 1804 cuja lerá e os mais capítulos o R.do Pároco bem como se ficasse aqui novamente incorporados.»
A terminar, o relatório incide sobre o que havia a corrigir nos centros de culto existentes na paróquia de Beire, designadamente na igreja paroquial e na capela de S. Luís:
«Mando outrossim que o telhado do corpo da igreja seja composto e retelhado, como também consertar os taburnos, e juntamente se façam quatro lanternas e uma umbela para que se leve o Sagrado Viático aos enfermos com a decência devida. Na Capela de S. Luís mando se faça um santo novo e se repare a dita capela de tudo aquilo que for preciso para se poder celebrar e fazer com decência as funções santas enquanto as obras da Capela de S. Luís se farão o mais breve que for possível e no que diz respeito às do corpo da igreja, como também dealbada por dentro, se farão dentro em quatro meses e no caso que assim não aconteça o R.do Pároco dará parte a juízo para se proceder como for de justiça sob pena de se lhe dar em culpa.»
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Interior da Capela de S. Luís na actualidade |
A 27 de Junho de 1903, Beire recebe D. António José de Sousa Barroso, «por mercê de Deus e da Santa Sé Apostólica Bispo do Porto, do Conselho de Sua Majestade Fidelíssima, Par do Reino, Grã-Cruz da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, etc.»
Do documento deixado na visita, já parcialmente pré-dactilografado, consta o seguinte: «Tendo Nós visitado pastoralmente no dia 27 de Junho de 1903 igreja de S. Miguel de Beire no concelho de Lousada [sic] desta Nossa Diocese, e desejando que esta visita com a bênção de Deus produza frutos espirituais, Havemos por bem ordenar ao seu Rev. Pároco que, no caso de ainda não terem sido cumpridas as determinações por Nós dadas então, as cumpra com a possível brevidade e em virtude d’esta Nossa Provisão; as quais são as seguintes: 1.º Não consentir ao culto imagem imperfeita de São Sebastião, que mandamos retirar do altar lateral superior, do lado do Evangelho. 2.º Empenhar os seus paroquianos na decência da sua igreja e cemitério. 3.º Não usar na administração dos sacramentos do Ritual Breve, que todavia pode admitir-se quanto à forma do Matrimónio.»
Antes do último registo, acha-se no mesmo livro o pró-memória que se transcreve: «Entrou na minha freguesia a quantia de 20$00, verba com que foi contemplada pelos Indultos Pontifícios. Porto, 19 de Novembro de 1920. O Par.º Joaquim Gomes Pacheco de Carvalho.» Da última visita pastoral registada nesta fonte, ficou o seguinte parágrafo: «No dia 26 de Janeiro de 1930, termo de uma missão religiosa de 15 dias pregada pelos R.dos Padres Franciscanos Eduardo Lamas e Adolfo de Almeida foi esta freguesia visitada pelo Ex.mo Sr. D. António de Castro Meireles, Bispo do Porto, que também pregou à missa da festa e à cerimónia da confirmação, visitando processionalmente o cemitério no dia 27 do dito mês de manhã. Para constar lavrei esta nota, que vou assinar. Beire, 27 de Janeiro de 1930. O Pároco, Joaquim Gomes Pacheco de Carvalho.»
Manuscrito errado. Concelho de Paredes e NÃO LOUSADA.
ResponderEliminarFoi erro do próprio redactor. À frente de Lousada está colocado o advérbio latino [sic], precisamente para indicar que está assim no original.
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