As Visitações em Castelões de Cepeda (III)

Outro costume muito antigo da paróquia de Castelões de Cepeda, e descrito com pormenor no relatório de visitação de Maio de 1709, era o bodo aos pobres. Eis os respectivos termos:

«Também me constou ser costume antiquíssimo nesta freguesia que todas as pessoas dela que tivessem propriedades de se pagarem aos pobres desta freguesia em cada um ano umas esmolas a que lhe chamam Bodos em a Dominga Quarta da Quaresma, e no da Pascoela à porta do Adro desta igreja, e que de cada fazenda em a dita Dominga Quarta mandasse o possuidor dela uma broa, vinho, peixe ou sardinhas e no dito Domingo da Pascoela mandassem os sobreditos e em lugar de peixe carne os quais Bodos o Procurador desta Igreja os repartisse aos pobres desta freguesia e assim consta dos estatutos da confraria geral no capítulo trinta e seis, e que o dito Procurador desta igreja fizesse rol de cada Dominga dos que faltarem a tão pia e saudável devoção; e que pagasse cada negligente quinhentos réis por cada Bodo a que faltasse que o R.do Abade repartiria pelos mesmos pobres da freguesia e em muitas visitações achei capítulos que mandam que se observe o tal costume e estatuto e se me fez queixa que muitas pessoas se esqueciam desta obrigação e que alguns não pagavam por as fazendas que em algum tempo foram inteiras estarem agora repartidas e algumas juntas a outras pelo que mando com pena de excomunhão que o juiz e Procurador da igreja e eleitos dentro em um mês em presença do R.do Pároco desta freguesia repartam aos moradores dela os ditos Bodos conforme o que cada um possui diminuindo ao que possui menos e acrescentando ao que possui mais do que m outro tempo possuíam; e esta repartição dos ditos Bodos se escreverá em um livro ou estatutos assinada pelo R.do Abade e oficiais e o oficial que faltar acabado o dito mês no dia e hora que o R.do Abade lhe assinar e ele o não admitirá à igreja e aos ofícios divinos enquanto não obedecer.»

Actual igreja paroquial de Castelões de Cepeda, Paredes

O sexto capítulo do mesmo documento trata do seguinte: «Fez-se-me queixa que muitas pessoas por serem largas da consciência matavam pombas mansas com espingarda e armadilhas não atendendo ao muito necessárias que são as pombas para os doentes e ao país para limparem as terras dos negrais a cujo respeito sua Majestade concedeu provisão com grandes penas a que nenhuma pessoa pudesse matar as ditas pombas mansas, pelo que mando com pena de excomunhão maior ipso facto incorrenda, e de quinhentos réis para a Bula da Cruzada que nenhuma pessoa assim eclesiástica como secular mate as ditas pombas com artifício algum e sob a mesma pena mando a toda a pessoa que as vir matar o diga ao Pároco do delinquente para lhe executar a dita pena.»

Também por esses inícios do século XVIII, nesta localidade se alugavam casas para fins considerados escandalosos: «Fui mais informado que algumas pessoas desta freguesia alugavam casas a formigueiros [expressão antiga que designava os amigos do alheio] e mulheres mal procedidas, de que resultava grande escândalo e danos nesta freguesia; e para evitar a maiores danos mando com pena e excomunhão maior e dois mil réis para o cepo a toda a pessoa que tiver alugado as casas às sobreditas pessoas dentro em um mês os lancem fora delas e somente as poderá alugar às pessoas que o R.do Abade achar por informação certa que são de boa vida e costumes na forma que já se tem mandado em outros mais capítulos.»

Em seguida, enfoque nas travessias e caminhos que provocavam isolamento das povoações e impediam o pároco de administrar sacramentos: «Também se me zelou que este inverno por ser de muitas chuvas, algumas pessoas desta freguesia da parte de Além do Rio em alguns Domingos e dias santos não ouviam missa por não poderem passar pelas poldras [o mesmo que alpondras, pedras que servem para atravessar a pé cursos de água] em o regato e como por elas também seja servidão para administrar os sacramentos para algumas partes desta freguesia mando que dentro em dois meses os moradores da Cepeda, Reguengo, Estrada, Marecos e Oural, alevantem mais as ditas poldras doze palmos de pedras bem compridas e iguais e bem assentadas com pena de seis tostões a cada morador aplicados para o cepo, e sob a mesma pena mando que dentro em um mês que os moradores dos lugares da Vila e do Paço, Lage e em o Carreiro da Vila o meio dele todo de pedra de dois palmos de largura e um de alto sobre a terra desde a estrada até às vessadas da vila por quanto me constou que há poucos dias se não pudera passar por ela indo o R.do Pároco administrar os sacramentos e não ter outro caminho por onde pudesse passar sendo obrigados os ditos moradores a ter o dito carreiro capaz de se poder andar por ele para se administrar os sacramentos aos enfermos e ser caminho por onde eles vêm para esta igreja».

O capítulo nono expressa o seguinte: «Também me constou que uma devota desta freguesia fizera doação à confraria de Nossa Senhora do Rosário desta igreja de quinze mil réis, que a ela lhe devia Cristóvão Pinto da freguesia de Mouriz, e os juros de dezanove anos e que por culpa do Procurador da dita confraria se não tinham arrecadados os ditos quinze mil réis nem ainda os juros deles tendo-se já passado monitório para se arrecadarem pelo que mando ao juiz e Procurador que de presente servem em a dita confraria façam notificar ao dito devedor pelo dito monitório na forma dele até que ele pague o farão em termo de um mês sob pena de excomunhão maior e de serem riscados por irmãos da dita confraria.»

O parágrafo seguinte dizia respeito a utensílios para abrir sepulturas: «Os fregueses me requereram que nesta freguesia havia uma alavanca e uma enxada que serviam de abrir as sepulturas e que por não estarem fechadas algumas pessoas as tiraram da igreja e se serviam delas que lhe mandasse fazer uma caixa por se não poderem acomodar na que lhe serve de guardar a cera, pelo que mando se faça a dita caixa dentro de um mês com pena de quinhentos réis e sob a mesma pena nenhuma pessoa se sirva delas fora desta igreja e adro, e no mesmo termo consertarão a fechadura do cepo.»

Sobre o assunto da construção de nova igreja, aliás já tratado em visitas anteriores, neste relatório é dito que «os fregueses decaíram dos embargos e se mandou que se mudasse a igreja para junto do cruzeiro, como se tinha mandado (…)». Ora, e por constar ao visitador «que os fregueses não têm ainda dado a obra e que é impossível podê-la ter acabado no termo que lhe foi mandado por esse ser já pouco, [mandava] sob a pena dos vinte mil réis que com termo de quatro meses dêem a dita obra em presença do R.do Abade juiz e Procurador, eleitos e as principais pessoas desta freguesia pela planta que se fez a igreja de São Miguel de Gandra, por me parecer que ficando como ela seja bastante para este povo poder ouvir missa dentro nela, e principiarão a mudança no dito prazo e não o fazendo assim o R.do Pároco fará aviso ao meirinho geral deste bispado para arrecadar a dita condenação; e os oficiais da igreja na forma que lhes está mandado elegerão dois homens desta freguesia dos principais dela para tratarem da dita obra e fazer os pagamentos aos oficiais na forma que lhe parecer, e para que esta obra custe menos a pedraria à freguesia os ditos dois homens eleitos repartirão as pessoas desta freguesia que tiverem bois e carro quantos carros hão de levar para ela, e os de mais que não tiverem bois os repartirão para irem carregar e os que não obedecerem os darão em rol ao R.do Pároco para os condenar conforme (…) aplicará as condenações para a dita obra; e quanto à mudança da capela de Nossa Senhora da Guia o R.do Abade usará da licença que se lhe tem dado». 

Pela anotação seguinte, ficamos a saber que, em 1709, não havia turíbulo na paróquia de Castelões de Cepeda: «Achei nesta igreja muitas confrarias e devoções particulares de santos e que não havia nesta igreja turíbulo sendo-lhe tão necessário e por que os mordomos das ditas confrarias e devoções pedem pelas eiras e com os rendimentos dele fazem as solenidades pelo que mando que daqui por diante o juiz e mordomos de cada confraria e devoção ao dar das contas deixarão de depósito dois mil réis até se fazer quantia de se poder comprar o dito turíbulo de prata o qual direito de depósito estará em poder do tesoureiro de Nossa Senhora do Rosário.»

(Continua)

Comentários

Crónicas mais lidas

As Lendas da Senhora do Salto

José Guilherme e a Administração em Paredes: As «Sombras»

As Primeiras Escolas de Recarei

Humberto Delgado em Paredes: As Eleições de 1958

As «Crónicas» em Livro

O Encerramento das Minas de Lousa de Valongo: Uma Tragédia Social em Recarei em 1939

O «São» Judas Iscariotes de Castelões de Cepeda

Paredes e a Patuleia (1846-1847)

As Visitações em Beire

Paredes e a Guerra Civil (1832-1834) - III