As Visitações em Castelões de Cepeda
O livro que contém os relatórios das Visitas Pastorais à Paróquia de S. Salvador de Castelões de Cepeda (ADioP, n.º404) começa em 1700. O primeiro, data de 28 de Agosto, sendo então bispo do Porto D. Frei José de Santa Maria de Saldanha.
O documento é curto e revela-nos apenas duas instruções de carácter geral, sendo uma para os féis e outra para os eclesiásticos da paróquia: que se não confessasse quem não soubesse a doutrina; que se corrigisse, sob pena de excomunhão, a postura dos sacerdotes que costumavam assistir aos ofícios de defuntos com desinteresse.
A 25 de Setembro do ano seguinte, realiza visita o Dr. Carlos da Rocha Pereira, cónego prebendado na Sé e comissário do Santo Ofício: «Visitando a capela, altar-mor e as mais imagens deles, pia baptismal, santos óleos e ornamentos, tudo achou com a decência devida». Não virá a despropósito sublinhar que estas referências à igreja paroquial se reportam ao antigo templo, já demolido, sendo o actual do primeiro decénio do século XX (1908).
A terminar este relatório, uma nota para as confrarias: «Os mordomos das Confrarias de Santo António, S. Caetano e Nossa Senhora do Amparo, com pena de excomunhão, em termo de seis dias dêem todos conta com entrega; e porque se me zelou que muitas pessoas lhes eram devedoras, lhes mando sob a mesma censura restituição de tudo o que deverem (…) e as pessoas que souberem de tais devedores as descubram ao Rev. P.º para proceder contra elas até pagarem, e tudo se entregará ao tesoureiro da Confraria de N.ª Sr.ª do Rosário para ajuda de se comprar a cruz de prata para o guião, pois para ela o prometeram os devotos, como se me informou.»
A 24 de Setembro de 1702, nova examinação pastoral é conduzida pelo Dr. João da Fonseca, comissário do Santo Ofício e abade de S. Martinho do Campo. Tudo encontrando «com a decência devida», ordena, primeiramente, que se cumpram as indicações das visitas passadas. Deixa depois um conjunto de prerrogativas gerais, e que já vimos noutras visitações, tais como: a necessidade de os clérigos vestirem casacos cujo comprimento passe da «meia perna»; a condenação dos que pescam nos rios por via do lançamento de substâncias que matam os peixes, práticas indicadas no documento como «barbascadas e troviscadas», causando envenenamentos a outras espécies, incluindo «aos racionais»; que se corrija o comportamento das pessoas que assistem à missa (que ficam «falando, e contando histórias com que perturbam os demais, divertindo-os de seus religiosos oferecimentos»); e também uma indicação curiosa visando em particular os ciganos: «Tem a experiência mostrado que muitas pessoas, com o título de ciganos, e outras com fundamento de serem casados andam vagabundos vendo de dia os sítios por onde de noite possam fazer latrocínios e outras desordens, em prejuízo de suas almas e danos dos próximos, o que sucede por muitas vezes os fregueses os recolherem em suas casas, pelo que mando que nenhuma pessoa desta freguesia recolha ciganos, nem outros homens forasteiros, ou que tragam consigo mulheres, as quais de ordinário são suas concubinas e andam pelo mundo com fundamento de que são casados, por evadirem o castigo, que talvez nas suas tem merecido sob pena de dois mil réis, aplicados na forma ordinária (…)».
Em seguida, o visitador faz referência aos objectos de culto de uma das capelas da localidade: «Também se me zelou que na ermida de Nossa Sr.ª da Guia, havia cálices, corporais e pedra d’ara, e outros ornamentos estes se recolhiam em diversas casas, de que resulta poder haver indecências principalmente no tracto do cálice, corporais e pedra d’ara por as pessoas que os recolhem ignorarem a reverência com que os tais ornamentos se devem guardar, pelo que mando ao reverendo pároco faça recolher à sua sacristia da Igreja a dita pedra d’ara, corporais e castiçais, donde os dará todas as vezes que forem necessários com tal condição que as pessoas que os levarem os tornem a repor na dita sacristia logo.»
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Capela de N.ª Srª da Guia, Castelões de Cepeda, Paredes |
O Dr. Filipe Moreira, abade de S. Vicente de Tougues, realizou visita a Castelões de Cepeda no dia 23 de Setembro de 1703. Como era hábito, começou por constatar a «decência devida» da igreja e ordenou o cumprimento do determinado anteriormente.
A terceira nota teve que ver, uma vez mais, com o assunto dos objectos da capela de N.ª Sr.ª da Guia. Depois de o pároco os ter recolhido conforme determinado, foram os ditos bens pedidos novamente para uma missa, e não mais regressaram à sacristia da igreja. Refere o relatório que «não foram deixadas à igreja nem nela as achei, procurando-as donde vim em conhecimento que algumas pessoas as têm, contra a forma do Direito e disposição da visita passada». Em conformidade, o emissário intima o pároco a procurar e identificar as peças e quem as conservava, obrigando-os à entrega das mesmas sob pena de excomunhão «ipso facto incurrenda e de vinte cruzados para sé e meirinho». Em caso de incumprimento, ordena-se que o caso seja entregue via certidão e treslado ao Promotor da Justiça. A autoridade acrescenta: «E sob as ditas penas mando que nenhuma pessoa secular e leiga toque nem pegue nas tais coisas sagradas nem as possam levar da igreja para a dita capela nem desta para a igreja, o que tudo o R.º Pároco fará cumprir sob pena de se lhe estranhar e dar em culpa, e da mesma sorte mando que a todos e quaisquer sacerdotes ou clérigos que as sobreditas coisas levarem para na capela se dizer missa as tornem a trazer e repor nesta igreja per si mesmos e não por outrem sob pena de suspensão de suas ordens ipso facto e também nenhuma pessoa as poderá recolher em sua casa sobre a dita pena de excomunhão e pecuniária acima imposta».
O capítulo seguinte tem como enfoque a exiguidade do espaço da igreja: «Pelo que vi dos rol dos confessados tem esta freguesia mais de quatrocentas pessoas, e se conclui à vista de olhos não caber tão numeroso povo nesta igreja, e ter bastante informação que muitos homens assistem à missa na capela [mor] com descomodidade de quem nela ministra a missa, o que ocasiona ou pode ocasionar alguma inquietação aos celebrantes, além de que me constou que muita parte de povo fica ouvindo missa no cabido [galilé, alpendre exterior], e ainda fora dele, por todos não caberem na igreja, pelo que mando que nenhum leigo assista na capela no tempo da missa sob pena de excomunhão excepto se forem mordomos e juiz a quem tocam alguns ministérios e serviços que na capela devem fazer e excepto também alguns músicos que venham cantar a missa nas ocasiões em que venham cantar a missa; e os fregueses até à visita futura acrescentarão à igreja ao menos vinte palmos para com capacidade poderem caber nela e serem sepultados, sob pena de cinco mil réis que pagarão o juiz e procurador não fazendo diligência com os fregueses para com efeito se fazer esta obra e fazendo-a pagarão a dita pena os que a executam deste capítulo (…) e outrossim proverão os fregueses de uma pedra d’ara para o altar do nome de JHS, em termo de um mês, com pena de quinhentos réis, que o R.º Pároco executará no juiz para o cepo» [receptáculo de esmolas/condenações].
A questão do trabalho aos domingos e dias santos fora também abordada pelo visitador: «R.do Pároco com esta visita lerá e publicará os capítulos das visitas antecedentes em que tratam dos serões e das pessoas que trabalham aos Domingos, e dias Santos, e execute contra os que trabalharem em qualquer género de trabalho, entendendo e declarando a seus fregueses que o malhar o milhão é dos maiores trabalhos e por isso deve ser mais estranhado e castigado com mais vigor, como também as arrigas dos linhos.»
As tentativas de escapar ao pagamento dos tributos paroquiais também mereceram reparo do delegado episcopal: «Fui informado que algumas pessoas desta freguesia por fraudar os direitos paroquiais usam de fingimentos e perniciosas mentiras cometendo nisso grave pecado, como se vê na simulação que muitas vezes fazem de que as crianças que têm para baptizar nascem mortais para por esta via prejudicarem a igreja e deixarem de dar a oferta das quantias que costumam, assim quando vem por e assentar o dia e hora em que há de fazer algum baptismo como quando com efeito o baptismo se faz e portanto afim de evitar semelhantes pecados e se não prejudicar tão notavelmente o direito paroquial mande o R.do Pároco que constando-lhe que alguma pessoa usa de semelhante fingimento a condena por cada vez, em quinhentos réis para o cepo, e executará a condenação, evitando os condenados se dentro de um domingo até o outro não pagarem e condenarão na mesma pena incorrerão os que indo a cerimónia da oferta não levarem vela acesa como consta a forma do costume desta igreja e das cerimónias dela.»
(Continua)
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