As Visitações em Castelões de Cepeda (II)

A 23 de Setembro de 1705, a paróquia de S. Salvador de Castelões de Cepeda recebe a visita do Dr. João de Almeida Ribeiro, protonotário apostólico e pároco de S. Miguel de Gandra.

Depois de visitar e elogiar a igreja, seus objectos e dependências, o emissário episcopal faz constar do relatório uma determinação dirigida às mulheres e que já vimos em visitas anteriores: «Por se evirarem os pecados e ofensas contra Deus Nosso Senhor resultam de as mulheres virem à igreja ou capelas decotadas ou caiadas provocando aos homens o pecarem; portanto mando sob pena de obediência que mulher alguma de qualquer qualidade que seja venha à igreja ou capelas decotada, ou caiada: e o R.do Pároco sob a mesma pena as transgressoras deste capítulo as não consinta na igreja ou capelas, nem lhes administre os sacramentos, nem as admita por madrinhas do baptismo, nem lhes solenize seus matrimónios.»

Em seguida, uma nota sobre confrades forasteiros e respectivas obrigações: «Zelou-se-me que muitos irmãos da confraria de Nossa Sra. do Rosário de outras freguesias não satisfaziam os anuais e esmolas no tempo que os estatutos determinam, pelo que mando que faltando algum irmão ou mordomo de qualquer freguesia o R.do Pároco desta faça aviso aos seus R.dos Párocos, aos quais mando sob pena de obediência os notifiquem paguem em termo de seis dias, e não o fazendo os evitem, e não admitam até lhe constar terem pago e satisfeito tudo o que deverem à dita confraria assim de anuais como de esmolas prometidas; e mando com pena de excomunhão maior a todas as pessoas que tiverem dinheiro algum de devoções e confrarias dentro de seis dias o entreguem ao tesoureiro da confraria da Senhora do Rosário fazendo o a saber primeiramente ao R.do Pároco para o fazer carregar no livro da confraria; e sob a mesma pena de excomunhão maior mando a qualquer pessoa assim eclesiástica como secular a buscar as chaves da igreja as torne a ir entregar na Casa da Residência. Como também os que forem buscar lume o não tragam senão em as lanternas.»

O quarto ponto a observar, consiste no que se segue: «Os fregueses mandarão em termo de um mês fazer uma alavanca de ferro, e uma enxada para se abrirem as sepulturas sob pena de dez tostões para sé e meirinho, e mando sob pena de excomunhão maior as não tirem da igreja.»

Quanto ao respeito pelos domingos e dias santificados, a determinação surge dirigida particularmente aos que se ocupavam da moagem: «O R.do Pároco condenará a todos os moleiros que aos Domingos e dias santos andarem acarretando foles com bestas em quinhentos réis por cada vez que aplico para a confraria das Almas».

Vimos na crónica anterior que, para fazer face à exiguidade do templo paroquial e tendo em conta a demografia da localidade, o emissário de 1703 ordenara a sua ampliação em «vinte palmos». Nesta nova examinação, e sobre o mesmo assunto, o responsável faz constar do relatório o seguinte: «Em audiência me apresentaram os fregueses uma petição com despacho do Il.mo R.mo. B.pº pelo qual aliviava a freguesia da condenação em que tinham incorrido e de não darem satisfação à obra da igreja que lhe foi mandada fazer na visita passada ordenando que nesta visita se fizesse o que fosse mais conveniente; e porque acrescentando-se os vinte palmos a igreja não fica ainda com a grandeza necessária para o povo que há na freguesia e fica com grande deformidade por ficar muito comprida e estreita e não haver área nem sítio capaz (…) pelo que atendendo a todas estas razões mando que os fregueses em termo de oito anos mudem a igreja para junto do cruzeiro por ser sítio capaz e conveniente para nele se fazer a igreja com a grandeza necessária para caber o povo para ouvir missa e a doutrina cristã em que os R.dos Párocos possam satisfazer as obrigações de seu pastoral ofício, e serão obrigados os oficiais da igreja e em termo de seis meses rematarem a dita obra e dar-lhe princípio com pena de vinte mil réis não fazendo rematar a dita obra no dito termo e a farão acabar no termo de oito anos com pena de cem mil réis para sé e meirinho; e para que se possa fazer a obra com brevidade e qualidade do povo se elegerão dois homens zelosos e de santa ciência para correrem com esta obra.»

Cruzeiro junto à actual igreja de Castelões de Cepeda

No ano seguinte, a 24 de Setembro, a visita é conduzida pelo Dr. João Guedes Coutinho, abade de S. João de Ver. Após constatar a decência da igreja e recomendar o cumprimento dos capítulos das visitas anteriores, o abade reage a uma queixa do juiz do subsino, de que os proveitos destinados à fábrica não tinham sido suficientes para cobrir as despesas. Nesse sentido, o visitador ordenara a criação de uma «finta» ou imposto a cobrar aos fregueses «na forma costumada».

A terminar o documento, pede-se que se observe a determinação dirigida anteriormente aos moleiros acerca do trabalho ao domingo e dias santos, «inviolavelmente e por ser assim conveniente», por constar ao visitador «que os olheiros se descuidam em dar conta» dos prevaricadores ao pároco.

A 25 de Setembro de 1707, é o cónego Luís de Sousa de Carvalho quem se desloca a Castelões de Cepeda em representação do bispo diocesano. Como era habitual, procedeu à visita da igreja, constatou a decência do espaço e recomendou o cumprimento do determinado pelos antecessores. Em seguida, deixou recomendação aos clérigos para que desempenhassem a sua função nos ofícios dos defuntos com «quietação», sob pena de não receberem o «benes», e que as músicas «que houver nesta igreja levantará o compasso sempre um sacerdote músico havendo-o e se não cantarão papéis curiosos que causem escândalo».

Sobre a mudança de local da igreja, fora plasmado em relatório o seguinte: «O Capítulo da Visita passada que trata da igreja a respeito da sua mudança como consta estar embargado, façam os fregueses findar a causa no prazo de seis meses sob pena de se dar a execução o nele disposto, e por ora retelhem o corpo da igreja pois nele chove muito o que assim farão no prazo de um mês». Ou seja, ordenava-se o fim de um embargo que, entretanto, fora aplicado à referida obra.

A 7 de Maio de 1709, a examinação canónica é feita pelo Dr. João Lopes Baptista Tameirão, mestre na Sagrada Teologia, protonotário apostólico, vigário geral da sacrossanta basílica lateranense e donatário do Couto de Meinedo.

Os dois primeiros pontos do relatório são os da forma costumada: a vistoria e constatação da conformidade da igreja e a necessidade de cumprimento do determinado nas visitas pastorais anteriores. Em seguida, retoma-se o tema do acolhimento a ciganos, levantado pelo emissário em 1702: «(…) mando que daqui por diante nenhuma pessoa desta freguesia dê recolhimento algum em suas casas nem fora delas às sobreditas pessoas sob pena de cinco mil réis por cada vez que lhe derem o dito recolhimento (…) e mando aos oficiais da igreja e olheiros desta freguesia que tenham grande cuidado em vigiar se alguma pessoa lhes dá o dito recolhimento sob pena de quinhentos réis aplicados para o cepo desta igreja».

No ponto seguinte, o visitador dirige-se aos eclesiásticos da paróquia, a quem acusa de remissos e faltosos, no que toca aos seus deveres de auxílio do pároco na administração dos sacramentos. A falta de pagamento dos sagrados dízimos também foi assunto desta visita. O documento releva que os devedores incorriam em excomunhão e que o abade também não se livrava de culpa «por não ter obrigado aos fregueses a que pagassem os ditos dízimos, vendo-os andar em tão grande cavilação». São intimados então a cumprir com o seu dever «sob pena de excomunhão ipso facto incorrenda», alertando-se ainda especificamente os moleiros «que têm moinhos renovados e também os mais antigos que todos paguem por toda na forma que sempre pagou Manuel Vieira do Moinho por me constar que estes são os mais antigos da freguesia o que uns e outros satisfarão em termo de quatro meses sob a dita pena. E também me constou ser costume muito antiquíssimo nesta freguesia pagarem de cada casal dela em todos os anos de promessa um alqueire de centeio e outro de milho miúdo e um almude de vinho mole ainda que os possuidores sejam de outra freguesia e me constou que alguns dos ditos casais estavam repartidos em três quatro possuidores e mais e que alguns destes não pagavam promessa alguma e assim se deixavam andar em tal miserável estado, pelo que mando com pena de excomunhão maior e de quatro mil réis aplicados para a Bula da Cruzada, que dentro em quatro meses as pessoas que tiverem os casais repartidos e aqueles que tiverem mais que o seu casal antigo repartam a dita promessa conforme ao que cada um possuir para o que poderão tomar um louvado capaz para isso e o R.do Abade ou o seu rendeiro outro de que farão acto de repartição assinado por eles que o R.do Abade guardará no Cartório dos papéis de sua igreja».

(Continua)

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