As Visitações em Gondalães (II)
Ao visitar, uma vez mais, a paróquia de S. Pedro de Gondalães, no dia 14 de Maio de 1690, o emissário Gaspar Harnão Pacheco deixou como determinação particular o seguinte capítulo: «Por me constar por vista de olhos que as portas travessas estão em estado que com estarem assim fica a igreja com pouca segurança pelo que os fregueses as mandarão fazer de novo, ou consertar de modo que fiquem capazes para a guarda da igreja o que farão dentro em um mês sob pena de mil réis para sé e meirinho.»
A 7 de Junho de 1693, o Dr. João de Almeida Ribeiro, protonotário e desembargador, realizou nova examinação pastoral, deixando de particular em relatório os seguintes capítulos:
«Os fregueses em termo de um mês com pena de dez tostões para sé e meirinho mandarão fazer uma opa branca para o Juiz quando pegar na cruz e não pegará nela sem a dita opa para procissão, ou função alguma da igreja com pena de duzentos réis por cada vez e dentro de dois meses farão estatutos novos da Confraria do Subsino que levarão ao R.do Dr. Provisor para se confirmarem ao que satisfarão com pena de dois mil réis, e mandarão branquear a igreja por dentro no dito termo e sob a mesma pena.»
«Os mordomos do Santo Nome de Jesus mandarão fazer uma arca para se recolher o pão das esmolas; e darão as contas no termo que o estatuto o determina, e não o dando o R.do Pároco os evite. Os mordomos da Senhora farão estatutos e Livro da Receita e Despesa, e não o fazendo o R.do Pároco não consinta que peçam na forma que o ordena a Constituição.»
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Igreja de Gondalães na actualidade |
O Dr. Francisco Monteiro Pereira, abade de Valpedre e Vigário Geral do Bispado, realizou visita a 29 de Novembro de 1695. Depois de se referir aos «serões escandalosos» que, aliás, já vimos noutros relatórios de outras paróquias, o emissário episcopal acrescenta também o seguinte:
«Fui informado que há algumas mulheres, que esquecidas da diferença e da honestidade do sexo, se atrevem a entrar no jogo da choca, padecendo as descomposições que se tem visto, feitas escândalo e fábula ainda dos homens mais profanos: portanto mando com pena de excomunhão maior ipso facto incurrenda, que nenhuma pessoa de qualquer estado ou condição que seja ponha, ou faça jogo de choca em que hajam de entrar mulheres; e se algumas sem reparo de que são mulheres e não homens, fizerem o dito jogo, (bárbaro e gentílico ainda que homens) ou seja sós e sem homem algum, ou de mistura com homens, mando sob a mesma pena de excomunhão ao Reverendo Pároco, condene a cada uma delas em mil réis para Sé e Meirinho, e as não admita na igreja, nem a seus pais, enquanto com efeito não pagarem. Outrossim não admitirá o Reverendo Pároco aos sacramentos mulher alguma que venha caiada, e cheia de alvaiade, e outras imundícias de que usam ao que satisfará sob pena de obediência.»
Uma breve nota sobre o divertimento atrás referenciado e, ao que tudo indica, praticado em Gondalães, quer por homens quer por mulheres, mas que era malvisto pela autoridade eclesiástica. De acordo com Campos Ferreira (Identificação das Propriedades…, FEUP, 2011:2 e ss.), o jogo da Choca terá sido o antecessor do Hóquei em Patins em Portugal. Era «jogado com uma pequena bola de madeira ou com uma pinha à qual se dá o nome de reca, choca ou porca. Neste participam cinco jogadores munidos de um pau cada um, o qual pode ser curvo numa das extremidades. O jogo começa com as “coquerrias” na bola (porca). Chama-se “coquerrias” ao acto de dar com um pau na bola, sem a deixar cair ao chão. O jogador que menos “coques” der é o que vai com a porca, ocupando cada dos restantes jogadores uma “nicha”. No centro do terreno há uma “nicha” ou pequena cova na terra a que se dá o nome de “celeiro”, em redor deste, à distância de dois a três metros, encontram-se quatro “nichas” para os jogadores que o defendem. Ao jogador que fica com a porca chama-se “porqueiro”. O “porqueiro” tem como objectivo meter a porca no “celeiro”, conduzindo-a com a ponta do pau. Se o conseguir, diz estas palavras: “Remuruja porca suja”, e os outros jogadores têm que mudar de “nicha”. O jogador que ficar sem “nicha”, passará a ser ele quem vai com a porca. Quando o porqueiro tenta meter a porca no “celeiro”, todos os outros jogadores fazem os possíveis para que ela não entre, evitando também que aquele ponha o pau na sua “nicha”. Depois do tempo terminado (aproximadamente dez minutos), sem que o “porqueiro” tenha êxito, dizem-se estas palavras: Couto, minha nicha / couto, meu celeiro / borro-lhe nas barbas / ao ruim porqueiro. Cruzam os paus no “celeiro”, põem-lhe uma pedra em cima, vão buscar o “porqueiro” que tenta fugir e dão-lhe com o rabo em cima da pedra. Assim termina o jogo. Salienta-se que podem participar mais do que cinco jogadores.»
A 15 de Setembro de 1697, o visitador foi o Dr. António Coelho de Freitas, já anteriormente apresentado. A título de indicação específica, no relatório ficou expresso o seguinte: «Adverti em que nesta igreja não havia púlpito sendo um templo em que não devia faltar tanto por nele se dizer a palavra de Deus, como também por ser adorno da igreja e nesta falta deixavam de haver alguns sermões como me constou por informação, pelo que mando que os fregueses façam um púlpito de pedra com suas grades de pau e pano para cuja obra o juiz da igreja os convocará para que voluntariamente prometam conforme suas possibilidades, e repugnando fazê-lo tirará carta de finta, por tal forma que a dita obra esteja feita até ao primeiro Domingo de Advento, e não satisfazendo até esse termo o R.do Pároco os evitará dos ofícios divinos.»
O licenciado Jerónimo Luís Sol, comissário do Santo Ofício e abade de Valbom, realizou examinação pastoral a 14 de Setembro de 1698. Depois das formas de estilo habituais, acerca da constatação da decência da igreja e recomendação de cumprimento das visitações passadas, ficou determinado particularmente o que se segue: «O Reverendo Abade com pena de excomunhão maior em termo de dois dias mandará lançar fora da igreja o taburno que está junto às grades do baptistério pois na forma da Constituição se não podem pôr assentos particulares nas igrejas; e se acaso houver quem intente impedir que se não lance fora procederá contra ele na forma da Constituição quarta livro quarto titulo 9 versículo quinto. O Reverendo Abade proverá de um livro novo para os baptizados e na forma da Constituição mandará o velho para o cartório da Câmara Eclesiástica.»
A penúltima visitação do século XVII data de 14 de Setembro de 1699 e fora realizada pelo reverendo José de Magalhães e Araújo, abade de S. Lourenço de Asmes. Visitando, como era habitual, «a capela e altar-mor, colaterais, pia baptismal, santos óleos e ornamentos», achou tudo «decentemente ornado» e nada de particular recomendou ao abade local.
No dia 12 de Setembro de 1700, o bispo do Porto, D. Frei José de Santa Maria, deslocou-se a Bitarães. Foi aí que foi dado o relatório de visitação de Gondalães, que consta apenas de determinações gerais dirigidas ao pároco e demais eclesiásticos.
O Dr. Carlos da Rocha Pereira, cónego prebendado na Sé e comissário do Santo Ofício, foi responsável pela visita canónica de 19 de Setembro de 1701. Dos capítulos determinados nesta ocasião transcrevemos os seguintes:
«Os fregueses dentro de um mês sob pena de dois mil réis para sé e meirinho mandarão consertar do necessário a porta travessa da igreja, ou fazê-la de novo, e também consertar o forro da igreja aonde for necessário, por evitar maior dano.» «Fui informado se não executavam os capítulos que tratam dos serões, e se faziam tanto de espadela, como de fiações, e ordinariamente as faziam nas vésperas dos dias santos assistindo neles até passar da meia noite, deixando muitas vezes as pessoas que neles assistiam de vir á missa por se acharem tresnoitadas; e ainda os que faziam pela semana tinham o prejuízo de as mulheres virem de noite para suas casas acompanhadas de homens de que se seguiam alguns escândalos; e outras iam a serões rogadas para fora da freguesia, continuando-se maiores escândalos em estas. Pelo que mando, que o Reverendo Pároco torne a publicar estes capítulos que tratam dos serões, e os observe sob as penas deles, executando as condenações, que aplico para sé e meirinho, assim nas pessoas que derem casa de serão, como em toda a pessoa que a eles for de qualquer estado que sejam havendo ajuntamento aonde vão homens; e mando sob pena de excomunhão e pecuniária referida que nenhuma mulher vá desta freguesia a serão a outra alguma e que o R.do Pároco execute as ditas penas sob as mesmas que lhe estão cominadas.»
(Continua)
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